quarta-feira, 13 de abril de 2011

POÇOS DE CALDAS, 1966 - PARTE 2

POLÍTICA É DOM QUE VEM DO BERÇO
   
Paixões, segundo Jurandir
A vida política interna, porém, não era tão fácil. Tinha briga entre políticos, a maioria dêstes chefes de famílias tradicionais. No romance histórico "O Céu entre Montanhas", de outro escritor de Poços, Jurandir Ferreira, onde a realidade se confunde com a ficção, uma reunião do conselho termina em duelo a cadeiradas e bengaladas, e tanta gente fica machucada que é preciso requisitar médicos nas cidades vizinhas para que os colegas pudessem ser socorridos.
   
No livro de Jurandir Ferreira, cuja história se passa em Nossa Senhora do Rosário das Águas do Rio Velho de Moçu, até os doentes brigavam, pois formavam multidão disputando um lugar nas nascentes vigiadas por guardas armados de cacetes, a fim de manter a ordem.
   
Em fins de 1909 apareceu um prefeito, Francisco Escobar, que transformou a cidade. Intelectual, pianista, sob sua influência as desavenças foram terminando e as facções políticas se entrelaçaram. Além de tudo, administrador: construiu o prédio da Prefeitura, pontes, o primeiro teatro, o primeiro hotel de luxo, arrumou as estradas da região e pavimentou as ruas com pedras britadas.
      
Com tantos turistas querendo gastar dinheiro, espanta a falta de mendigos nas ruas. Na cidade inteira, em todos os recantos, a gente vê as placas recomendando ao forasteiro que não dê esmolas, mas sim que faça uma visita ao SOS e verifique como se trabalha ali.
   Mendigo de fora tem que voltar para o lugar de onde veio. Os de casa são amparados.
Seu Pedro Vasconcelos o recebe na porta, mostra-lhe os mantimentos à espera dos pobres, os remédios doados, a sala de aulas, com o carinho de quem vive ali há 20 anos, desde a fundação do SOS - Serviço de Obras Sociais. Nesse tempo todo, êle já atendeu mais de 4 mil famílias; muitas delas recuperadas, hoje são colaboradoras do próprio SOS. As dificuldades sempre foram muitas, as contribuições vêm do comércio, que entra com 250 mil por mês, mais 120 mil da Prefeitura. O resto vem do povo, das festas beneficentes.
   
Quem é apanhado na rua pedindo esmola, ou mora em Poços ou veio de fora. Se fôr pobre da casa, o SOS faz uma ficha completa, a família passa a receber semanalmente gêneros, roupa, calçado, remédio; os doentes são encaminhados ao hospital, os sadios ao trabalho. As crianças são matriculadas na escola e devem freqüentar mesmo: cada uma tem o seu cartãozinho que apresenta assinado pela professora, provando que foi às aulas.
   
Pobre de fora, a polícia pega e leva ao SOS, onde seu Pedro alimenta, fornece mais o que fôr possível, depois dá um passe para voltar ao lugar de onde veio. Em Poços não pode ficar.
   
FOTO NA PRAÇA É MONOPÓLIO DE FAMÍLIA
  
Mário está há 30 anos na praça
Nas temporadas, Poços de Caldas trabalha dobrado para atender os turistas. Os cristais somem das prateleiras, os doces, os laticínios; nas ruas, meninos caçam os casais para servir de guia, engraxar sapatos, tirar fotografias; os cavalos e as charretes fazem dezenas de passeios por dia. Mário, o lambe-lambe mais antigo da praça, pode ser chamado em casa até, a qualquer hora de qualquer dia, para fotografar os fregueses conhecidos. Dos 50 anos de vida, passou 30 entre as flôres do jardim, tirando fotografia de duas gerações de turistas. Hoje a praça é dêle. As máquinas velhas de lambe-lambe são quase decorativas, amarradas a uma árvore e ao coreto. Para trabalhar mesmo êle usa modernas Yashikas e Rolleis. Do outro lado do jardim, o outro fotógrafo é seu irmão e sócio. A filial dos dois é Ditinho, sobrinho de Mário, fotografando aos 15 anos tão bem quanto o tio de 50.
A praça dos meninos
Para o pintor da cidade, Nacib Nacklé, temporada é a hora de largar os pincéis e tratar de ser comerciante um pouco. Pode vender até uma dúzia de quadros. Faz 26 anos que está em Poços, onde mantém exposição permanente no Palace. Estudou pela escola impressionista, em Piracicaba. Nos seus 47 anos guarda com orgulho os recortes de jornais anunciando os prêmios que ganhou, em São Paulo, Rio, Piracicaba também. O último não faz muito tempo, foi no Salão Paulista de Belas Artes.
   
Menino pobre, com a caixa de engraxate nas costas, não pode entrar na praça principal. Para não perturbar os turistas, dizem, com sua insistência em pedir: "Quer engraxar?".
   
Muitos dêles são pretinhos, quase todos se chamam Pelé. Vanil dos Santos, por exemplo, 13 anos, terceiro ano do grupo, sete irmãos em casa, todos trabalham. Engraxa, serve de guia e bate fotografias. Engraxando, consegue tirar 30 contos no fim do mês. Se a época é boa, serve de guia e os 30 contos podem sair num dia de sorte. "Engraxar agora não dá muito", diz êle. "Tem mais engraxate que sapato aqui, e os novatos ainda acham de cobrar mais barato."
   
Mauro não diz o sobrenome, só a idade: 11 anos. Faz tudo o que os outros fazem e tanta convivência com casais em lua de mel lhe deu uma idéia própria sôbre o casamento: "Casar não é bom, ser amigos é melhor. Casado a gente é um, amigado a gente é dois." E vai fazendo batucada enquanto engraxa o sapato do freguês.
Os meninos fotografam e puxam as charretinhas.
Qualidade dos meninos de Poços: a discrição. Não ouvir, não ver e não falar, em matéria de casais em lua de mel. Ética profissional.
   
Os cavalos da praça
Quem margear o rio ao lado direito do Palace, não anda dez metros é logo abordado pelos homens e meninos que alugam cavalos e charretes. Para gente grande, animais fortes e bonitos. Para as crianças, pôneis e charretinhas puxadas a carneiro. Os passeios ficam no mínimo em 1.500 cruzeiros, cada.
   
HÁ SETE SÉCULOS FERRO FAZ CRISTAL.
  
Seguso e Ferro têm tradição de 750 anos fabricando cristal de Murano. 
O que a natureza oferece, a cidade aproveita bem. Além do vinho, há laticínios, doces de frutas e, sobretudo, cristais belíssimos. A única fábrica em funcionamento é a Ca d'Oro na avenida João Pinheiro, 1707 (saída para São Paulo). São cristais tipo murano, fabricados por italianos de famílias tradicionais em Veneza, 750 anos trabalhando nisso.
   
Os mestres vidreiros são dois, Ferro e Toso, outro é Seguso, um dos escassos gravadores de cristal do Brasil. Seguso às vêzes passa três dias sentado à máquina, para gravar uma peça. Tem trabalhos expostos na Bélgica, no Canadá e nos Estados Unidos. Para êle, o cristal murano é côr e forma, é o cristal que evolui como evoluem as artes. Nas vitrinas, as peças vão de 30 a 40 mil cruzeiros por exemplar.

Para espantar os males
Nem sempre o negócio é passear, há os que procuram nas águas o que não encontram nos remédios, a cura para doenças reumáticas, da pele, alergias, distúrbios do aparelho digestivo. Poços é especialista nisso, seus institutos, como o Dr. Amarante e Dr. Mário Mourão, se encarregam de dar jeito nas doenças.
   
Os balneários são três, um dêles exclusivo dos hóspedes do Palace. Os outros dois são o Mário Mourão, na praça D. Pedro II, e as Termas Antônio Carlos, junto do Palace. No total, são 178 banheiras de porcelana, que permitem mais de 250 banhos por hora, de água sulfurosa sódica quente. Há ainda inalações sulfurosas, ginástica, ducha-massagem, submarina, ginecológica, intestinal, tudo isso sob assistência médica.
   
Alumínio a dólar
Foi o geólogo Orville Derby quem anotou a existência de rica jazida de bauxita na região. Agora fala-se que a Aluminium Company of America - ALCOA - vai construir uma empresa para produzir o alumínio a partir daquele minério, em Poços de Caldas. A indústria, já denominada Cia. Mineira de Alumínio - ALCOMINAS – investirá 51 milhões de dólares para produzir 25 mil t anuais dentro de 3 anos.
   
VINHO É BOM NO ROTEIRO DAS ÁGUAS

Antigamente os caminhos para Caldas e Andradas se mediam em léguas, 5 à primeira, 7 à segunda. Eram picadas, quando muito se podia ir em carro de boi, as crianças choravam que queriam ir também, no meio da viagem já estavam arrependidas. "Estou com dor de lança", reclamavam, sentindo-se enjoadas. Com tanto sacrifício a viagem só se fazia por muita necessidade, motivo de doença por exemplo. Caldas nascera primeiro e tinha mais recursos.
Nestes tonéis e garrafas está um dos melhores vinhos do país, que o velho Marcon não pode mais provar.
Hoje as estradas têm marco quilométrico, para Caldas 30 quilômetros bem asfaltados; para Andradas 41, de asfalto quase a metade, o resto é terra mas não apresenta problemas. A negócio lá agora é vinho, único assunto que as duas cidades mais velhas entendem mais que Poços.
   
Consta que em 1780 um português chamado Antônio Gomes de Freitas se instalou com sua mulher na região e logo percebeu a semelhança do clima e solo com os das zonas vitivinícolas européias. Plantou as primeiras parreiras e o lugar recebeu o nome de Campos de Caldas.
   
A plantação de uvas com intenção manifesta de fazer vinho deu-se em 1855, em Andradas. O coronel José Francisco de Oliveira plantou meio alqueire de bacelos de Isabela européia, que precisou queimar cinco anos depois, com um prejuízo enorme: quase três contos de réis. Após muito experimentar, chegou à conclusão de que três variedades se davam bem com o clima e o solo: Pirapetinga, Cunninghan e Virgínia. O coronel Oliveira é antepassado do engenheiro-agrônomo José Gabriel de Oliveira, atual chefe da Subestação de Enologia de Andradas.
   
Beber com ciência
Enologia é palavra grega: ciência que trata dos vinhos. A estação de Caldas e a subestação de Andradas, órgãos federais, dão assistência aos vitivinicultores, analisando a uva antes da colheita, indicando o caminho para obter qualidade, "provando" o vinho pronto e fiscalizando os produtos. Os vinhos dali são considerados entre os melhores do país.
   
A produção de Caldas, que engloba vários municípios vizinhos, inclusive Poços de Caldas, passa dos 2 milhões de litros anuais. Caldas entra com 75% do total, Poços 7,6%. Andradas produz mais: média de 6 milhões de litros anuais. As cantinas da região se especializaram também na fabricação da bagaceira, aguardente feita do bagaço de uva, fermentado e destilado.
   
O velho e as uvas
Guerino Marcon é o mais velho de três irmãos que nasceram e viveram em Andradas. O pai, Giovanni Marcon, imigrante italiano, por aqui chegou em 1896, quando Andradas era um mato só, casas de pau-a-pique, uma longe da outra. Começaram plantando café, alqueire e meio de terra. Depois foram aumentando, comprando um pedaço aqui, outro ali, em 1914 resolveram plantar uva e produzir vinho. É o que fazem até hoje, e bem: 10% da produção de Andradas vêm da Sociedade Vitivinícola Marcon. Guerino tem 70 anos, o orgulho de ter um sobrinho médico em São Paulo e o desgôsto de não poder mais provar o vinho que fabrica: sofre de diabetes, que lhe levou um dedo embora por causa de um ferimento de nada; o próprio sobrinho o operou nas Clínicas.

A cantina Piagentini é de parentes dos Marcons, produz vinho Rubronhol e aplica técnicas modernas. Acabam de comprar por 12.000 dólares uma máquina de envelhecer vinho, terceira no Brasil. Outros vinhos famosos de Andradas: Nau Sem Rumo, Isidro Gonçalves, Caves do Resteld, Campino. Na região de Caldas: Sociedade Caldas, Caneca, Velho Marcassa (Poços), Tambasco, Quinta Néctar.
    
Continua.
  
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