quarta-feira, 13 de abril de 2011

POÇOS DE CALDAS, 1966

Muitos são os prazeres proporcionados pela produção de um trabalho como o Memória de Poços de Caldas. Às vésperas de completar um ano, deparo diariamente com muitas oportunidades de materiais a serem compartilhados com você, leitor. Entre essas oportunidades, a diversão pura representada pelo garimpo de um material antigo, a pesquisa, a busca por uma foto histórica da cidade -melhor ainda quando inédita ou do conhecimento de poucos.
   
Memória de Poços de Caldas traz uma pequena série, de três postagens, reproduzindo uma longa reportagem sobre a cidade, publicada em fevereiro de 1966 na revista 4 Rodas, da editora Abril. 
   
A apresentação desse material passou pela pesquisa na internet, a localização de um exemplar em bom estado, culminando com o escaneamento dos textos em PDF, a revisão completa e a transcrição do que se perde na digitalização, além do tratamento das fotos.
   
Interessante notar o que mudou e, especialmente, o que não mudou: muitas virtudes de Poços de Caldas não se perderam, nesses 45 anos. Acompanhe.
   
POÇOS DE CALDAS E DOS AMORES.
Reportagem de Mylton Severiano da Silva
Fotos de Jorge Butsuem
Esta é a cidade escolhida pelos que amam, a Fonte dos Amôres é seu símbolo inesquecível.
Venha conhecer Poços de Caldas. Onde quer que  esteja, não é difícil chegar a esta cidade mineira que fica a 261 km de São Paulo, 480 do Rio e 501 de Belo Horizonte, em cima da serra de São Domingos, a 1.186 metros de altura, cercada de água por todos os lados sem ser ilha, tôda coberta de flôres porque é jardim. Poços não tem mendigos nas ruas, nelas só há lugar para os casais em lua de mel e os turistas, que nas temporadas são milhares, lotam todos os 76 hotéis e deixam a cidade com meia população a mais. Com tanta gente junta, Poços de Caldas satisfaz o gôsto de cada um. Há emoção para quem vem a passeio e tranqüilidade para quem quer descanso: galopar pelas montanhas, passear de lancha, beber vinhos, pescar, ou apenas flanar por entre as árvores, ouvindo o barulho das águas e o plac-plac ritmado dos cavalos. Os caminhos para a cidade das rosas saem de todos os lugares. De São Paulo, venha por Campinas (via Anhangüera, passando depois por Mojimirim, São João da Boa Vista e Águas da Prata), ou por Bragança e Pouso Alegre (rod. F. Dias). Neste caso, entrando por P. Alegre, você ainda pode encontrar um trecho (Ipuiúna) em fase de conclusão, pequeno porém. Não é o roteiro mais curto, mas é o mais bonito porque passa por três serras: a Cantareira, depois a Mantiqueira e o chamado planalto da Pedra Branca. Total de quilômetros de São Paulo a Poços pelas serras: 290. Quem está em Belo Horizonte também pode usar a Fernão Dias até Pouso Alegre, onde entra à direita. Total de quilômetros: 501. Do Rio há mais escolhas. Pode-se vir até São Paulo, é mais longe, claro: no mínimo 665 km. Mas o carioca também pode pegar a BR-459, entrando à direita no km 223 (Lorena) da via Dutra. Total: 480 km. E nesta última hipótese, ressalvamos de nôvo, em Ipuiúna talvez haja um pequeno trecho por concluir.
    
A estância pode orgulhar-se de não ter temporada muito fixa, porque em qualquer época do ano existe gente procurando-a para fazer um tratamento, descansar ou passar a lua de mel. Mas não deixam de ser bem distintos dois períodos: maio, mês de muito casamento; e dezembro-janeiro-fevereiro, que se costuma chamar de temporada. Então, os hotéis vão ficando lotados, Santiago abre o boliche às dez da manhã, o pintor Nacib Nacklé chega a vender uma dúzia de quadros, nas ruas os meninos engraxam sapato, guiam os turistas, tiram fotografias e são capazes de chegar ao fim do dia com 10 mil cruzeiros no bôlso. Á noite, os casais da cidade se juntam aos de fora na disputa dos bancos, na praça Pedro Sanches principalmente. Dois casais em cada banco, quem sobra fica dando voltas. Às onze e meia parece vir não se sabe de onde um toque de recolher que só eles ouvem e nas ruas que partem do jardim os pares formam filas, indo para casa ou para os hotéis. Quinze minutos depois a cidade está quase vazia. Ainda pode haver gente jogando boliche, ouvindo música no Caiçara ou divertindo-se no jantar-dançante do Floresta. A cidade vai recebendo cada vez mais gente e no Carnaval seus 45 mil habitantes passam a mais de 60 mil. Durante os quatro dias, os hotéis, que têm capacidade para receber até 20 mil pessoas, nem quarto alugam mais. Os hóspedes já estão acostumados e sabem que só encontrarão camas de campanha, ou simples colchões, que são postos nos corredores e salões. Quarta-feira de Cinzas, fim de festa, todo o mundo vai embora, a estância fica um período mais calma, mas logo começa tudo de nôvo. Poços não é só Poços. Fica no centro de quatro cidades menores, duas delas grandes produtoras de vinhos, Caldas e Andradas; as outras duas não menos famosas pelo poder de suas águas no tratamento de doenças várias: Águas da Prata e Pocinhos do Rio Verde.
   
Não deixe de ver - Poços mesmo, a Fonte dos Amôres, a cascata das Antas, o Cristo Redentor, a reprêsa do Bortolã; em Caldas, o quadro do chamado Rafael sueco, "Anunciação", na matriz; Termas Antônio Carlos.
Você deve ver - A fonte luminosa e os banhos sulfurosos do balneário Mário Mourão, uma apresentação do conjunto de câmara e coral do Conservatório Musical, o Véu das Noivas, a Pedra Balão, as fontes - Sinhazinha, Pedro Botelho. Macacos, Quisisana, etc; se fôr época, a exposição de orquídeas e plantas ornamentais (setembro); a festa folclórica do 13 de Maio.
Veja se puder - Um estabelecimento viticultor, em Poços, Andradas ou Caldas; a igreja de Santa Teresinha em Pocinhos; o Country Clube; a igreja do Rosário em cima do morro.
   
NESTE LUGAR A AMAR TUDO CONVIDA   
   
Quem visita Poços, vai à fonte dos Amôres. Ela é o símbolo da cidade escolhida pelos que amam e casal que passa a lua de mel aqui há sempre de abrir o álbum de recordações com uma fotografia tirada na fonte.
   
Diz a lenda que há muitos anos dois jovens enamorados faziam do recanto o refúgio de um amor proibido, que os pais não admitiam. Um dia, inconformados com o destino infeliz, os jovens se amaram e depois se jogaram pela encosta. Os corpos foram encontrados, um junto do outro, entre as pedras.
   
Em homenagem ao amor, ali está a escultura de Júlio Starace (1929), dois jovens que se enlaçam com ternura. Por trás a água despenca tranqüila, deslizando nas pedras. Alberto de Oliveira, o parnasiano inspirado, não resistiu à paz do lugar e recomendou: "Neste lugar a amar tudo convida, que amor é vida, amai! amai!" Os versos estão numa placa ao lado dos amantes de pedra.
   
As meias da cascata
O rio das Antas passa por baixo de uma ponte, na saída para São Paulo, serpenteia por umas pedras e vira à esquerda. depois vence uma barragem que o homem construiu para obter energia e vai despencar além, de 50 metros de altura, num chuá imenso, levantando uma nuvem constante de gotinhas dágua: é a cascata das Antas. Depois da queda, o rio se abre em dois e forma uma ilhota. com um bosque; no meio do bosque um restaurante que, a pedidos. serve frango e churrasco. O forte, porém, são as batidas sem fim que o Zoé, o dono, fabrica. De milho verde, balalaica, Cascata das Antas, mais as meias: é meia de sêda tradicional, meia de algodão, meia de helanca, meia disso, meia daquilo. Tudo feito com frutas, pêra, figo, outras com café, leite de côco.
   
Gente de São Paulo já ofereceu bom dinheiro pelas fórmulas, mas o Zoé recusou: segrêdo da casa, diz êle.
  
O Cristo fica no alto do maior morro da região e se vai por uma estradinha de 6 km, automóvel só passa com tempo sêco. Na chuva ainda conseguem passar jipes e kombis; se todos os cavalos de seu carro não conseguirem, o jeito é ir com um cavalo só, que se aluga ao lado do hotel Palace (preço a combinar, dizem êles, mas não é muito caro). Há também os que vão a pé, a caminhada é dura. A compensação é chegar ao cimo e pegar Poços inteirinha de surprêsa, sem tempo de esconder que já é cidade bem grandinha, com alguns prédios altos, bom estádio de futebol, muitos espaços verdes e um zumbido que vem das ruas: são os turistas, paulistas e cariocas principalmente, passeando de carro pra lá e pra cá.
  
Praia de mineiro
Atrás do Cristo, a vista inesperadamente é também linda: o planalto se perde nas lonjuras, verdolengo, montanhoso. À noite, de qualquer lugar se vê o Cristo iluminado, medalha de ouro recortada em fundo negro.
   
Construíram a reprêsa do Bortolã para obter energia. O resultado foi melhor: além de energia, um conjunto de clubes, com motonáutica, pescaria, esqui aquático e até uma praia. No clube de turismo Minas Gerais, formado com sócios-proprietários dos hotéis Parc e Abrep, pode-se passear de lancha pequena, 1.000 cruzeiros, ou lancha grande, 3.000.
   
A praia se chama do Sol e é racionada, não mais que 300 metros quadrados de areia, o que não chega a matar saudade de carioca.
   
Anunciação em Caldas
Na igreja matriz de Caldas, que fica a 28 km de Poços em bom asfalto, está o quadro "Anunciação", de Frederico Westin, que era chamado em seu tempo de Rafael sueco.
   
A história do quadro é fascinante. Veio parar no Brasil há mais de um século, trazido pelo cônsul sueco em Caldas, parente do pintor. Por muito tempo a obra ficou esquecida e um século depois, redescoberta, era atribuída, ora a Murillo, ora a Rembrandt. Mas houve quem dissesse que a tela não passava de "uma cópia servil feita por um dêsses artistas misérrimos do século dezoito". Edmundo Dantès Nascimento, professor do colégio Rio Branco, numa conferência em 1949, considerou elucidado o mistério, citando dezenas de provas:  o quadro é de Frederico Westin, pintor sueco nascido em 1782 e morto em 1862.
   
Contam que uma senhora paulista, há seis anos, ofereceu 10 milhões pela "Anunciação", o padre respondeu que dinheiro nenhum levava o quadro. Em 1847, no inventário do cônsul da Suécia, morto em 1846, a obra aparecia com valor de 150 mil réis. Ou seja, cêrca de uns 5 milhões de cruzeiros, numa época em que o pintor ainda era vivo.
   
Não é difícil chegar a todos êsses lugares, apesar da falta de melhores indicações em alguns casos, como setas e placas. Mas não há problemas: estando de carro, qualquer um informa tudo; indo de táxi, charrete ou cavalo, os acompanhantes ensinam. Há ainda o recurso de levar um menino de rua, dêsses que  pedem para ser guias. Para passear dentro da cidade, existe o trenzinho puxado a jipe que na temporada faz ponto na praça D. Pedro. Nasceu para levar crianças mas muita gente grande, com a desculpa de acompanhá-las, aproveita e dá suas voltinhas também.
   Para os passeios, charrete e trenzinho.   
As primeiras notícias sôbre as águas de Poços de Caldas datam de quase 200 anos. Segundo o escritor-médico Mário Mourão, em sua Síntese Histórico-Social da cidade, no ano de 1786 anotações do governador da capitania de Minas Gerais diziam que "a 12 léguas da Campanha apareceram aguas thermaes tão virtuosas e úteis, que tem curado entre varias moléstias a do grande mal de Lepra que tanto persegue êste continente Americano. Do mesmo lugar já havia uma ignorante notícia, e bem própria do povo pouco iluminado de que naquele mesmo Sítio andava o diabo por se ter visto aparecer por várias vêzes. Lanças de fogo tão fortes, e tão enxofradas, que haviam chegado a queimar os mattos de uma grande parte de sua circunferência, e com o terrível cheiro de enxofre, das quaes não se pode prazenteiramente tomar outro conhecimento mais do que a experiência das suas curas for mostrando".
   
O povo, apesar das chamas que via, era mesmo "pouco iluminado", porque não se tratava do diabo, mas de uma certa fonte que jorrava água a 46 graus centígrados, e cheia de enxofre de verdade.
   
Pedreiro bate engenheiro
Esta água, e as outras, ainda ficaram um século desconhecidas, com tôdas as virtudes medicinais que têm. Em 1881 uma companhia ganhou concorrência para construir dois balneários, com banhos gratuitos para os pobres e a mil réis para os outros. Um engenheiro austríaco, Maschek, foi contratado, mas demonstrou incompetência: não foi capaz de captar as águas das fontes. O empresário, Anselmo de Almeida, já ia desistir quando apareceu um pedreiro chamado Antônio Alves que tinha ajudado nas obras de Caldas de Vizela, Portugal. Seu Antônio botou o engenheiro no bolso, captando as águas de Pedro Botelho e dos Macacos.
   
Três anos antes de ser desterrado, D. Pedro II visitou Poços, com enorme comitiva, e a primeira coisa que recebeu foi um panfleto anônimo acusando a emprêsa exploradora de cobrar preços extorsivos e de adicionar misturas na água sulfurosa. Por causa disso, foi mandado a Poços um médico que, depois de examinar os balneários, desfez os ataques e concluiu pela superioridade das águas sobre muitas outras no mundo.
   Vem gente até de São Paulo, garrafão dentro do carro, buscar água mineral na fonte.   
O nome parece ter saído mesmo da comparação que os primeiros viajantes aqui chegados fizeram com as águas de Caldas, em Portugal: daí Poços de Caldas. As terras pertenceram primeiro aos Junqueiras, cujos descendentes sempre tiveram atuação política na cidade. Em 1884, era a freguesia de Nossa Senhora da Saúde das Águas de Caldas, nome grande para um pequenino vilarejo, com algumas casas tôscas e uns poucos habitantes. Pedro Sanches, médico que veio para Poços em 1870 e viu a estância nascer, é considerado fundador da cidade.
   
A elevação a município, com o nome atual, saiu em 1888, primeiro de setembro. Um ano depois, veio a República e os mineiros de Poços deram a primeira aula de tato político: consta que a meia dúzia de republicanos da cidade, no mesmo dia já eram centenas, porque todo o mundo aderiu imediatamente ao nôvo regime.
   
Continua.
   
Clique nas imagens do Memória de Poços de Caldas para ampliá-las.
   

1 comentários:

AnaCristina disse...

eu levo meu sobrinho para passear de trenzinho todas as vezes que vamos a poços! só para acompanhar a criança rsrsr

Postar um comentário

Memória de Poços de Caldas é um trabalho cultural, sem fins lucrativos, e democrático. Aqueles que quiserem se comunicar diretamente com o autor podem fazê-lo pelo email rubens.caruso@uol.com.br .